A INFALIBILIDADE DA BÍBLIA - II

 Mas há outras tropelias a relatar: Porque o irmão de Moisés, Arão, fabricara um bezerro de ouro para ser adorado pelos judeus, Jeová pede permissão a Moisés para destruir o povo (Ex. 32:10), porém este o repreende (Ex. 32:12) e Ele se arrepende (Ex. 32:14). Deus manda Davi recensear o povo (2.Sam. 24:1) e como este obedece e logo em seguida se mostra arrependido (por quê?), Jeová manda uma peste que dizima 70 mil jsraelitas (2.Sam. 24:15), mas depois se arrepende e o próprio Davi lhe verbera a injustiça: “Se fui eu que pequei, por que castigas estes inocentes?” (2.Sam. 24:17).

Esse mesmo Jeová deu ainda instruções inusitadas como as contidas em Deut. 23:13 e 25:11 e 12 e mandou que o profeta Ezequiel comesse pão cozido sobre fezes humanas (Ezeq. 4:12). Voltamos a perguntar: Foi mesmo Deus quem praticou todas essas sandices? Terá sido Ele mesmo quem inspirou tudo quanto se acha escrito na Bíblia?

Não nos alongaremos mais nesta análise do Antigo Testamento, porque o que aí se encontra permite formar uma idéia sobre o problema da “inerrância” da Bíblia, ou seja, do princípio dogmático de que tudo quanto nela se contém foi escrito sob a direta inspiração do próprio Deus, e, portanto, tem que estar tudo certo, não pode haver nada errado. O leitor que desejar fazer um estudo mais aprofundado sobre as incongruências e incorreções contidas nesse livro, poderá encontrar valiosos subsídios na importante obra do escritor MÁRIO CAVALCANTI DE MELLO, intitulada “Da Bíblia aos Nossos Dias”, ed. FEP, Curitiba, onde ele disseca magistralmente o Velho Testamento. Eis algumas das interessantes indagações do referido autor (Pgs. 363/371), aliás em alguns casos transcrevendo perguntas formuladas por DOMÊNCO ZAPATA, professor de Teologia na Universidade de Salamanca, no século XVII:

1 — Como pôde Deus criar a luz antes do Sol? — (Gên. 1:3 e 14). Como separou Ele a luz das trevas (Gên. 1:4), se estas nada mais são do que a privação da luz? Como fez o dia antes que o Sol fosse criado?

2 — Como afirmar que do Éden saía um rio que se dividia em outros quatro, um dos quais, o CIOM, que corria no país de Cuse (Etiópia) (Gênesis 2:13) só podia ser o Nilo, cuja nascente distava mais de mil léguas da nascente do Eufrates?

3 — Por que a proibição de comer do fruto da “árvore da ciência do bem o do mal” (Gên. 2:17), se é fato que, dando a razão ao homem, Deus só poderia encorajá-lo a instruir-se? Acaso preferiria Ele ser servido por um tolo?

4 — Por que se atribuiu à serpente o papel de Satã (Apoc. 12:9), se a Bíblia apenas diz que “a serpente era o mais astuto dos animais” (Gen. 3:1)? Que língua falava essa serpente, e como andava ela antes da maldição de que passaria a arrastar-se sobre o ventre e comer pó? (Gen. 3:14). E como explicar a desobediência da serpente, se nunca se ouviu falar de cobra que comesse pó? E como explicar que tantas mulheres possam hoje dar à luz sem dor e tantos homens comam o seu pão sem precisarem de suar o rosto? (Gen. 3:16/19).

5 — Como pôde ser punido com tanto rigor um ente primitivo como Adão, que não sabia discernir entre o bem e o mal? (e a prova disso se encontra no verso 22: “Eis que, o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal”. Caim cometeu um fratricídio e não mereceu uma pena tão severa; a despeito da maldição: “Fugitivo e vagabundo serás na terra” (Gen. 4:12), foi para Node, onde constituiu família e até construiu uma cidade (Gen. 4:17) e “seus descendentes foram mestres em várias artes:” (Gênesis 4:20-22).

6 — Os teólogos pretendem que a morte entrou no mundo em conseqüência do pecado de Adão (pelo menos é este o ensino de Santo Irineu no no Século I, confirmado por Santo Agostinho). Pergunta-se: Como estaria hoje a população da Terra se a humanidade só fizesse nascer? E por que a punição teve de se estender aos animais que nada tiveram a ver com o pecado de Adão?

7 — Como puderam encerrar “casais de todos os animais da terra” (Gen. 6:19) numa arca de 300 côvados (198m) de comprimento por 50 de largura e 30 de altura (Gen 6:15)? Como conseguiram apanhar todos esses animais e reunir tantos e tão variados alimentos e de que modo se houveram as 8 pessoas a bordo (Gen. 7:13) para alimentar todos eles (e limpar todos os dejetos) durante mais de um ano? Note-se que o dilúvio começou a 17 do 2º mês (Gen. 7:11) e os que nela haviam entrado sete dias antes (Gen. 7:10) só saíram da Arca a 27 do 2º mês (do ano seguinte, é óbvio) (Gen. 8:14).

8 — Se Deus é justo e se foi Ele próprio que endureceu o coração do Faraó para que não permitisse a saída dos israelitas (Ex. 11:10), por que teria de matar todos os primogênitos do Egito, inclusive muitos milhares de inocentes crianças e até os primogênitos de todos os animais? (Ex. 12:29).

9 — Como teriam os magos egípcios transformado a água do Nilo em sangue (Ex. 7:22), se Moisés já o fizera antes? (Ex. 7:20) E como puderam perseguir os israelitas com o seu exército desfalcado de todos os primogênitos (Ex. 12:29) e empregando a sua cavalaria (Ex. 14:23), se na 5ª praga haviam sido mortos todos os cavalos? (Ex, 9:6).

10 — Se o mar tragou todo o exército do Faraó, este inclusive (Ex. 14:28), não é de estranhar que com a decifração dos hieróglifos que permite hoje conhecer toda a história do antigo Egito, não se tenha encontrado uma só referência a tão espantosa calamidade?

11 — Como entender que os autores do Antigo Testamento, tão precisos ao citar pelos nomes dezenas de pequenos reis das cidades vencidas, como Adonizedeque (Jos. 10-1), Hoão, Pirã, Zafia, Debir (Jos. 10:3), Horão (Jos. 10:33), Jabim, Jobab (Jos. 11:1), Seom (Jos. 12:2), Igue (Jos. 12:4), Jeeb (Juízes 7:25), Salmuna e Zeba (Juizes 8:5), Agag (1. Samuel 15:8), Aquís (1. Samuel 21:10), etc., não tenham mencionado o nome do Faraó que reinava ao tempo da fuga dos israelitas, o qual é citado tantas vezes nos primeiros 14 capítulos do livro de êxodo?

12 — Como puderam o Sol e a Lua ficar parados no meio do céu por ordem de Josué? (Jos. 10:13) e por que necessitou ele desse milagre para vencer os amorreus, se estes já estavam destroçados pelas pedras que “caíram do céu”?

13 — Por que a lei judaica não menciona em lugar algum as penas e recompensas após a morte? E por que nem Moisés nem os outros profetas falaram na imortalidade da alma, se isso já era conhecido dos antigos  caldeus, dos persas, dos egípcios e dos gregos?

14 — Como entender que fossem eleitos e protegido por Deus assassinos como EUDE, que apunhalou à traição o rei EGLOM (Juízes 3:21), DAVI, que fez morrer URIAS para tomar-lhe a mulher (2. Sam. 11:15) e SALOMÃO, que tendo 700 mulheres e 300 concubinas (1 Reis 11:3), mandou matar seu irmão ADONIAS só por que este lhe pedira uma (1 Reis 2:21 e 25).

15 — Como se explica que os israelitas, que “eram como dois pequenos rebanhos de cabras”, (1. Reis 20:27), tenham podido ferir num só dia 100 mil sírios (1. Reis 20:29), e ainda por cima tenha o muro da cidade caído sobre os 27 mil restantes? (1. Reis 20:30).

16 — Como admitir que o Deus que afirmou: — “Os pais não morrerão pelos filhos e nem os filhos pelos pais, mas cada qual morrerá pelo seu pecado” (Deut. 24:16), se tenha enfurecido tanto contra o ex-rei SAUL, ao ponto de assolar o povo com uma fome de três anos (2. Sam. 21:1), só se aplacando quando DAVI mandou matar sete netos daquele seu antecessor? (2. Sam. 21:8/9).

A história de todos os povos está repleta de lendas, crendices, mitos, alegorias e superstições. Por que a dos judeus teria que ser diferente? Quando o historiador pertence a outra comunidade, ou se encontra afastado dos acontecimentos no tempo e no espaço, ainda se pode esperar alguma imparcialidade. Mas se quem narra a história é um dos próprios interessados, é natural que procure exagerar os feitos dos compatriotas, sejam contemporâneos ou antepassados, e subestimar os dos seus adversários. Isso ocorre até nos tempos atuais, em que os eventos ficam registrados na imprensa, em livros, nos filmes, nas fitas de “vídeo”, etc. Mesmo fatos contemporâneos, amplamente divulgados e documentados por todos os meios de registro disponíveis, se prestam a interpretações diferentes, ao sabor das conveniências de cada grupo. A paternidade do avião, inventado já no início deste século, não é atribuída pelos norte-americanos aos irmãos Wright, com evidente indiferença aos méritos do nosso patrício Santos Dumont? Imagine-se o que não ocorria nos tempos primevos, quando os acontecimentos eram transmitidos por tradição oral, e só muito depois vinham a ser registrados por escrito.

A saga dos israelitas está referta de fábulas e exageros, e não é atribuindo a paternidade do registro a Deus que se pode dar cunho de veracidade a uma série de fantasias. A história da criação do mundo há 6 mil anos, tal como descrita no Gênesis, a Ciência já provou que não passa de lenda, ou, no máximo de uma alegoria. A formação do homem do pó da terra e a da mulher de uma costela de Adão eram concepções aceitáveis, talvez, até a Idade Média, mas hoje a Antropologia e a Paleontologia já demonstraram que a espécie humana tem pelo menos 40 mil anos de existência na Terra. Certo que essa lenda, — aliás oriunda da vetusta India — tem o seu valor simbólico, por explicar de forma velada o surgimento da raça adâmica em nosso mundo, como tem o seu valor a fábula da Arca de Noé, refletindo a reminiscência de inundações que assolaram várias regiões do globo em tempos primitivos, e transmitidas de geração a geração através de tradição oral.

A história da mula de Balaão que Falou (Num. 22: 23/ 25), é evidente que nos tempos atuais só pode ser aceita como lenda, a menos tenha ocorrido um fenômeno de “voz direta” do anjo que fizera empacar o animal. Assim também a passagem dos israelitas a seco pelo Mar Vermelho (Ex. 14:22), bem como a “parada” do Sol e da Lua no meio do céu por ordem de Josué (Jos. 10:13), o retrocesso de 10 graus na sombra do Sol por ordem de Isaías (2. Reis 20:11), a transformação da mulher de Ló em estátua de sal (Gen. 19:26) e a matança dos amorreus por pedras atiradas do céu por Deus (Jos. 10:11). De igual modo, as proezas do fabuloso Sansão dão o que pensar: como poderia ele, por mais forte que fosse, fender um leão de alto a baixo (Juízes 14:6) e como teria conseguido apanhar 300 raposas vivas e atar-lhes as caudas para incendiar a seara dos filisteus? (Juízes 15:4). E como poderia Eliseu depois de morto ter ressuscitado um homem? (2. Reis 13:21).

Não haverá evidente exagero em afirmar que os israelitas num só dia mataram 100 mil sírios? (1. Reis 20:29). A nosso ver, cem mil homens não morrem num só dia, nem com as mais devastadoras armas modernas. Com as bombas nucleares existe a possibilidade, mas até o momento não nos consta tenha de fato ocorrido. As lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9-8-45 não chegaram a exterminar tanta gente, pelo menos não no primeiro dia. E note-se que não foram arremessadas contra exércitos aguerridos, mas contra populações civis. Se com os recursos altamente sofisticados da tecnologia atual a empresa não é fácil, imagine-se o que não seja nos tempos em que as armas mais letais eram espadas e lanças, e os veículos mais velozes eram carros puxados por cavalos e camelos.

Pela mesma razão não nos parece muito verossímil que o “Anjo do Senhor” tenha numa só noite exterminado 185 mil assírios (2. Reis 19:35), nem que 120 mil “midianitas” tenham sido mortos pelos 300 de Gedeão (Juizes 8:10), nem que os judeus tenham eliminado em um só dia 120 mil da tribo de Judá, “todos homens poderosos, por terem abandonado o Senhor Deus de seus pais” (2. Crôn. 28:6), e ainda levado cativas 200 mil mulheres e crianças do seu povo irmão” (2ª Crôn. 28:8).

E o que dizer dos “500 mil homens escolhidos que caíram feridos de Israel”? (2. Crôn. 13:17). E o que dizer do 1 milhão (1 milhão!) de etíopes, que “foram destroçados sem restar nem um sequer”? (2. Crôn. 14:9 e 13). Será que a Etiópia já dispunha naquele tempo de 1 milhão de habitantes? ( )

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