Alguns membros da Igreja apoiam-se na proibição de Moisés para
proscrever as comunicações com os Espíritos. Mas se sua lei deve ser
rigorosamente observada neste ponto, deve sê-lo igualmente em todos os outros.
Porque seria boa em relação às evocações e má em outras partes? Há que ser
conseqüente: se reconhece que sua lei não mais está em harmonia com os nossos
costumes e a nossa época. Alias é necessário nos reportarmos aos motivos que os
levaram a fazer tal proibição, motivos que, então, tinham uma razão de ser, mas
que, seguramente, não mais existem. Quanto à pena de morte, decorrente da
infração, é preciso considerar que nisto ele era muito pródigo e que, na sua
legislação draconiana, a severidade do castigo nem sempre era um índice da
gravidade da falta.
O povo hebreu era turbulento, difícil de conduzir e não
podia ser domado senão pelo terror. Aliás, Moisés não tinha grande escolha nos
meios de repressão; não tinha prisões, nem casas de correção e seu povo não era
de natureza a sofrer o medo das penas puramente morais; assim, ele não podia
graduar sua penalidade como nos nossos dias. Ora, pelo respeito à sua lei,
seria preciso manter a pena de morte para todos os casos em que a aplicava?
Aliás, por que fazem reviver tal artigo com tanta insistência, quando se passa
em silêncio o começo do capítulo que proíbe aos sacerdote a posse dos bens da
terra e ter parte em qualquer herança, porque o próprio Senhor é a sua herança?
(Deuteronômio, Cap. XVIII)
Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus,
propriamente dita, promulgada no Monte Sinai e a lei civil ou disciplinar,
apropriada aos costumes e ao caráter do povo; uma é invariável, a outra se
modifica, conforme o tempo, e não pode vir à cabeça de ninguém que possamos ser
governados pelos mesmos meios que os Hebreus no deserto, assim como a
legislação da Idade Média não poderia aplicar-se à França do século dezenove.
Quem sonharia por exemplo, em reviver hoje este artigo da lei mosaica: "Se
um boi fere com o chifre a um homem ou a uma mulher, e a pessoa morrer, o boi
será lapidado sem remissão, e não será absolvido". Ora, que diz Deus em
seus mandamentos?" Não terás outro Deus senão eu; não tomarás o nome de
Deus em vão; honra a teu pai e à tua mãe; não matarás; não cometerás adultério;
não roubarás; não dirás falso testemunho; não cobiçarás o bem de teu
próximo". Eis uma lei que é de todos os tempos e de todos os países, e
que, por isto mesmo, tem um caráter divino; mas não trata da proibição de
evocar os mortos; de onde ser necessário concluir que tal proibição era simples
medida disciplinar e de circunstância
Mas Jesus não veio modificar a lei mosaica e sua lei não é código
dos cristãos? Não disse: "Ouviste o que foi dito dos Antigos esta ou
aquele coisa; mas eu vos digo outra coisa. Ora, em parte alguma do Evangelho
não se faz menção da proibição de evocar os mortos. É um ponto muito grave para
que o Cristo o tivesse omitido em suas instruções, quando tratou de questões de
ordem mais secundária. Ou se deve pensar como o sacerdote, a quem tal objeção
foi feita, que "Jesus esqueceu-se de falar nisso?"
Sendo inadmissível o pretexto da proibição de
Moisés, apoiam-se em que a evocação é uma falta de respeito aos mortos, cujas
cinzas não devem ser perturbadas. Quando essa evocação é feita religiosamente e
com recolhimento, não se vê nada de desrespeitoso. Mas há uma resposta
peremptória a dar a tal objeção: é que os Espíritos vem de boa vontade quando
chamados e, mesmo, espontaneamente, sem serem chamados; testemunharam sua
satisfação comunicando-se com os homens, e às vezes se lamentam do esquecimento
em que por vezes são deixados. Se fossem perturbados em sua quietude ou
ficassem descontentes com o nosso chamado, ou o diriam ou não viriam. Se vêm, é
porque isto lhes convém, porque não sabemos de ninguém que tenha o poder de
obrigar Espíritos, seres impalpáveis, a se incomodarem, se não o querem, pois
não lhes podemos dominar o corpo
Alegam outra razão: as almas estão no inferno ou no paraíso. As
que estão no paraíso estão na sua inteira beatitude e muito acima dos mortais
para se ocuparem com eles. As que estão no inferno dali não podem sair. Restam
as que estão no purgatório; mas estas são sofredoras e devem pensar antes de
tudo em sua salvação. Ora, se nem umas nem outras podem vir, é apenas o diabo
que vem em seu lugar. No primeiro caso seria muito racional supor que o diabo,
autor e instigador da primeira revolta contra Deus, em rebelião perpétua, que
nem experimenta arrependimento nem pesar pelo que faz, seja mais rigorosamente
punido que as pobres almas que arrasta ao mal e que, muitas vezes, são apenas
culpadas de uma falta temporária, de que sentem amargo arrependimento. Longe
disso, é tudo ao contrário o que acontece. Eaas almas infelizes são condenadas
a sofrimentos atrozes, sem trégua nem mercê durante a eternidade, sem um só
instante de alívio e, durante esse tempo, o diabo, autor de todo o mal, goza de
plena liberdade, corre o mundo recrutando vítimas, toma todas as formas, se
permite todas as alegrias, faz malandragens, diverte-se até interrompendo o
curso das leis de Deus, desde que pode fazer milagres. Na verdade as almas
culpadas deveriam invejar a sorte do diabo. E Deus o deixa agir, sem nada
dizer, sem lhe opor nenhum freio, sem permitir que os bons Espíritos ao menos
venham contrabalançar suas ações criminosas! De boa fé, isto é lógico? E os que
professam tal doutrina podem jurar, com a mão na consciência, que a poriam no
fogo para sustentar que é a verdade?
O segundo caso levanta uma dificuldade igualmente grande. Se as
almas que estão na beatitude não podem deixar o seu feliz repouso para vir em
socorro aos mortais, o que, diga-se de passagem, seria uma felicidade muito
egoísta, por que a Igreja invoca a assistência dos santos, que devem gozar da
maior soma possível de beatitude? Porque diz ela aos fiéis que os invoquem nas
doenças, nas aflições e para os preservar dos flagelos? Porque, segundo ela, os
santos, a Virgem mesma, vem mostrar-se aos homens e fazer milagres? Então deixam
o céu para vir à terra? Se o podem deixar, porque outros não o poderiam?Como todos os motivos alegados para justificar a proibição de se
comunicar com os Espíritos não podem suportar um exame sério, é preciso que
haja outro, não confessando. Esse motivo bem poderia ser o medo que os
Espíritos, muito clarividentes, não viessem esclarecer os homens sobre certos
pontos, e lhes dar a conhecer, ao justo, como são as coisas no outro mundo e as
verdadeiras condições para ser feliz ou infeliz. Eis por que se diz a uma
criança: "Não vá lá; lá está um lobo mau"; e aos homens se diz:
"Não chame os Espíritos; é o diabo que vem." Mas será em vão: se
proíbe aos homens chamar os Espíritos, não impedirão que os Espíritos venham
aos homens, tirar a lâmpada debaixo do alqueireTendo Moisés proibido evocar os mortos é permitido faze-lo?
(Bordeaux - Médium: Sra. Collignon)
Nota: Esta comunicação foi dada num grupo espírita de Bordeaux, em
resposta à pergunta acima. Antes de a conhecer, tínhamos escrito o artigo
precedente, sobre o mesmo assunto. Apesar disto nós a publicamos, precisamente
por causa da concordâancia das idéias. Muitas outras, em vários lugares, foram
obtidas no mesmo sentido, o que prova o acordo dos Espíritos a este respeito.
Esta objeção não sendo mais sustentável do que todas as que opõem às relações
com os Espíritos, cairá por si.Será, então o homem tão perfeito que julgue inútil medir suas
forças? E é sua inteligência tão desenvolvida que possa suportar toda a luzQuando Moisés trouxe aos hebreus uma lei que os pudesse tirar do
estado de escravidão em que viviam e reavivar neles a lembrança de seu Deus,
que haviam esquecido, foi obrigado a graduar a luz por sua força de visão e a
ciência pela força de sua inteligência.Porque também não perguntais: Porque Jesus se permitiu refazer a
lei? Porque disse: "Moisés vos disse: Dente por dente, olho por olho, eu
vos digo: fazei o bem aos que vos querem mal; bendizei aos que vos amaldiçoam;
perdoai aos que vos perseguem".Porque disse Jesus: "Moisés disse: Aquele que quiser deixar
sua mulher lhe dê carta de divórcio". Mas eu vos digo: "Não separeis
o que Deus uniu."Porque? É que Jesus falava a Espíritos mais adiantados que na
encarnação em que estavam ao tempo de Moisés. É que é preciso proporcionar a
lição à inteligência do aluno. É que vós, que perguntais, que duvidais, ainda
não chegastes ao ponto em que deveis estar e ainda não sabeis o que sereis um
dia.Porque? Mas, então, perguntai a Deus por que criou a erva do
campo, da qual o homem civilizado chegou a fazer seu alimento? Porque fez
árvores que só deveriam crescer em certos climas, em certas latitudes, e que o
homem chegou a aclimatar por toda a parte?Moisés disse aos Hebreus: "Não evoqueis os mortos!" Como
se diz às crianças: "Não toqueis no fogo!"Não foi pela evocação que, pouco a pouco, tinha degenerado em
idolatria entre os Egípcios, os Caldeus, os Moabitas e todos os povos da
antigüidade? Eles não tinham a força de suportar a ciência, tinham-se queimado,
e o Senhor tinha querido preservar alguns homens, a fim de que pudessem servir
e perpetuar seu nome e sua féOs homens era pervertidos e dispostos às evocações perigosas.
Moisés preveniu o mal. O progresso deveria ser feito entre os Espíritos, como
entre os homens; mas a evocação ficou conhecida e praticada pelos príncipes da
Igreja; a vaidade, o orgulho são tão velhos quanto a humanidade; assim, os
chefes da sinagoga usavam a evocação e, muitas vezes, usavam-na mal. Assim,
muitas vezes, sobre eles abateu-se a cólera do SenhorEis porque disse Moisés: "Não evoqueis os mortos." Mas a
mesma proibição prova que a evocação era usual entre o povo e era o povo que
ele a proibiaDeixai, pois, falar os que perguntam porque? Abri-lhes a historia
do globo, que cobrem com seus passos miúdos, e perguntai-lhes por que, desde
tantos séculos acumulados, marcam passo e avançam pouco? Ë que sua inteligência
não está bastante desenvolvida; é que a rotina os constringe; é que querem
fechar os olhos mau grado os esforços feitos para lhos abrirPerguntai-lhes porque Deus é Deus? Porque o Sol os ilumina?Que estudem, que busquem e na história da antigüidade verão por
que Deus quis que tal conhecimento em parte desaparecesse, para reviver com
mais brilho, quando os Espíritos encarregados de o trazer, tivessem mais força
e não vergassem ao seu pesoNão vos inquieteis, meu amigos, com perguntas ociosas, com
objeções sem nexo, que vos fazem. Fazei sempre o que acabais de fazer:
perguntai e nós vos responderemos com prazer. A ciência é de quem a busca;
então ela vem se lhe mostrar. A luz ilumina os que abrem os olhos, mas as
trevas se adensam para os que os querem fechar. Não é aos que perguntam que se
há de recusar, mas aos que fazem objeções com o fito único de extinguir a luz
ou que não ousam fitá-la. Coragem, meus amigos, estamos prontos para vos
responder todas as vezes que forem necessárias
Semeão, por Mateus
Revista Espírita, novembro de 1863
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