Jesus

Segundo o Novo Testamento, Jesus nasceu em Belém, uma cidadezinha localizada oito quilômetros ao sul de Jerusalém, filho do carpinteiro José e de uma jovem chamada Maria, que o concebeu sem macular sua virgindade. Os evangelhos de Lucas e Mateus afirmam que Jesus nasceu "perto do fim do reino de Herodes". O texto de Lucas afirma que a anunciação aconteceu em Nazaré, onde José e Maria viviam, mas eles foram obrigados a viajar até Belém pelo censo "ordenado quando Quirino era governador da Síria".
Hoje, o que se sabe de concreto sobre Jesus é que ele nasceu na Palestina, provavelmente no ano 6 a.C., ao final do reinado de Herodes Antibas (que acabou em 4 a.C.). A diferença entre o nascimento real de Jesus e o ano zero do calendário cristão se deve a um erro de cálculo. No século VI, quando a Igreja resolveu reformular o calendário, o monge incumbido de fazer os cálculos cometeu um erro. Além disso, é praticamente certo que Jesus nasceu em Nazaré e não em Belém. A explicação que o texto de Lucas dá para a viagem de Jesus até Belém seria falsa. Os registros romanos mostram que Quirino (aquele que teria feito o censo que obrigou a viagem a Belém) só assumiu no ano 6 d.C. - 12 anos depois do ano de nascimento de Jesus. A história da viagem a Belém foi criada porque a tradição judaica considerava essa cidade o berço do rei David - e o messias deveria ser da linhagem do primeiro rei dos judeus.
A concepção imaculada de Maria é um dos dogmas mais rígidos da Igreja, mas nem sempre foi um consenso entre os cristãos. Alguns textos apócrifos dos séculos II e III sugerem que Jesus é fruto de uma relação de Maria com um soldado romano. A menina Maria teria 12 anos quando concebeu Jesus. Na rígida tradição judaica, uma mulher que engravidasse assim poderia ser condenada à morte por apedrejamento. O velho carpinteiro José, provavelmente querendo poupar a menina, casou-se com ela e escondeu sua gravidez até o nascimento do bebê. A data de 25 de dezembro não está na Bíblia. É uma criação também do século VI, quando o calendário foi alterado.
A Bíblia afirma que Jesus teve duas irmãs e quatro irmãos: Tiago, Judas, José e Simão. Mas não se sabe se esses eram filhos de Maria ou de um primeiro casamento de José. Muitos teólogos afirmam que eles eram, na verdade, primos de Jesus - em aramaico, irmão e primo são a mesma palavra. A Bíblia não fala quase nada sobre a infância e a adolescência de Jesus, com exceção de uma passagem em que, aos 12 anos, numa visita ao Templo de Jerusalém durante a Páscoa, seus pais o encontram discutindo teologia com os sábios nas escadarias do templo do monte. É quase certo, porém, que ele cresceu em Nazaré.
Jesus falava certamente o aramaico, a língua corrente da Palestina e, provavelmente, entendia o hebreu por ter tomado lições na sinagoga e por ler a Torá. Os evangelhos apócrifos o pintam como um menino Jesus travesso, capaz de dar vida a figuras de barro para impressionar os colegas e até mesmo a fulminar um menino que esbarrou em seu ombro, para ressuscitá-lo logo em seguida, depois de tomar uma bronca do pai.
Certamente José procurou iniciá-lo na arte da carpintaria e é provável que Jesus tenha trabalhado como carpinteiro durante um bom tempo. Oportunidade não lhe faltou. Escavações recentes revelaram que ao mesmo tempo em que Jesus crescia em Nazaré, bem próximo era construída a monumental cidade de Séfores, idealizada por Herodes Antibas para ser a capital da Galiléia. Séfores estava a uma hora a pé de Nazaré e é muito provável que José e Jesus tenham trabalhado ali. Em Séfores Jesus teria visto a passagem da família real de Herodes Antibas e a opulência das famílias de sacerdotes do Templo de Jerusalém. O fato de Jesus ter passado boa parte da sua vida ao lado de Séfores indicaria que ele não era um camponês rústico como já se pensou, mas tinha contato com a cultura do mundo helênico.
Aos 30 anos, Jesus se fez batizar por João Batista nas margens do rio Jordão. Segundo a Bíblia, durante o batismo João reconhece Jesus como o messias. Há registros históricos da existência de João Batista e, recentemente, arqueólogos encontraram entre o monte Nebo e Jericó, nas margens do rio Jordão, ruínas de um antigo local de peregrinação por volta do século III d.C.
Decidido a cumprir sua missão na terra, Jesus dirigiu-se então para a Galiléia, onde recrutou seus primeiros discípulos entre os pescadores do lago Tiberíades. Passou a viver com seus primeiros seguidores em Cafarnaum, cidade de pescadores próxima do lago de Tiberíades. Por dois anos Jesus pregou pela Galiléia, Judéia e em Jerusalém, proferindo sermões e contando parábolas. Segundo a Bíblia, realizou 31 milagres, incluindo 17 curas e seis exorcismos. Alguns dos mais famosos são a ressurreição de Lázaro, a transformação de água em vinho e a multiplicação dos peixes.
Cafarnaum, onde Jesus teria vivido com seus discípulos, era um povoado de cerca de 1 500 moradores naquela época. Escavações encontraram os restos da casa de um dos discípulos, provavelmente de Simão Pedro (hoje conhecido como São Pedro), além de um barco datado da mesma época da passagem de Cristo pelo lugar. Não há, porém, certeza quanto ao número de discípulos que viviam próximos de Jesus. Nos evangelhos, apenas os oito primeiros conferem - os quatro últimos têm muitas variações. A hipótese mais provável é que o número "redondo" de 12 discípulos foi uma invenção posterior para espelhar, no Novo Testamento, as 12 tribos dos hebreus descritas no Velho Testamento.
Depois de viajar por quase toda a Palestina, Jesus parte para cumprir seu destino - ou, segundo alguns especialistas, seu plano. Durante a semana da Páscoa, o principal evento religioso do calendário judeu, Jesus entra em Jerusalém montado num burro e atravessando a Porta Maravilhosa. Esse foi, certamente, um ato deliberado de provocação aos sacerdotes do Templo e à elite judaica. Jesus faz exatamente o que o profeta Zacarias afirmava na Torá que o messias faria ao chegar. Jesus estava mandando uma mensagem de provocação aos sacerdotes do Templo. No segundo dia da Páscoa, Jesus vai ao Templo e ataca os mercadores e cambistas raivosamente.
Na quinta-feira, percebendo que o cerco apertava, os apóstolos celebram com Jesus a última ceia. A imagem que ficou dessa cena, gravada por Da Vinci e outros pintores, nada tem de verdadeiro. Os judeus comiam deitados de flanco, como os romanos, e as mesas eram ordenadas em formato de U e não dispostas numa linha reta. Durante a ceia, Judas levanta-se para trair seu mestre - ou, como alguns sugerem, para cumprir uma ordem dada pelo próprio Jesus. A captura acontece no Jardim do Getsêmani, onde Jesus e seus discípulos descansavam no caminho para Betânia, onde ficariam hospedados.
Levado para o Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo, Jesus reafirma sua missão divina e é condenado. Existem provas da denúncia de Caifás a Pilatos. Estudiosos judeus afirmam, porém, que o julgamento perante o Sinédrio jamais ocorreu porque o Sinédrio não se reunia durante a Páscoa. Essa versão teria sido incluída tardiamente na Bíblia após a ruptura definitiva entre cristãos e judeus. Jesus foi morto pelos romanos porque era considerado um agitador político.
Na manhã de sexta-feira, na residência do prefeito Pôncio Pilatos, Jesus é condenado à morte. Ele atravessa as ruas de Jerusalém carregando sua própria cruz e é crucificado entre dois ladrões. O caminho que Jesus percorreu nada tem a ver com a Via Crúcis visitada pelos turistas hoje. Ela é uma criação do século XIV, quando a cidade esteve nas mãos dos cavaleiros cruzados. A maioria dos historiadores e arqueólogos concorda, porém, que o morro do Calvário (Gólgota), localizado ao lado de uma pedreira, foi realmente o lugar da crucificação. Concordam também que seu corpo tenha sido colocado numa das grutas próximas. O que aconteceu então depende da fé de cada um. Há varias versões: que Jesus teria sobrevivido ao martírio, que outra pessoa teria morrido em seu lugar, que seu corpo teria sido roubado ou, claro, que ele teria ressuscitado.

A Bíblia Passada a Limpo

Descobertas recentes da arqueologia indicam que a maior parte das escrituras sagradas não passam de lenda
por Vinícius Romanini
Para a Revista SuperInteressante
A disputa entre ciência e religião pela posse da verdade é antiga. No Ocidente, começou no século XVI, quando Galileu defendeu a tese de que a Terra não era o centro do Universo. Essa primeira batalha foi vencida pela Igreja, que obrigou Galileu a negar suas idéias para não ser queimado vivo. Mas o futuro dessa disputa seria diferente: pouco a pouco, a religião perdeu a autoridade para explicar o mundo. Quando, no século XIX, Darwin lançou sua teoria sobre a evolução das espécies, contra a idéia da criação divina, o fosso entre ciência e religião já era intransponível. Nas últimas décadas, a Bíblia passou a ser alvo de ciências como a filologia (o estudo da língua e dos documentos escritos), a arqueologia e a história. E o que os cientistas estão provando é que o livro mais importante da história é, em sua maior parte, uma coleção de mitos, lendas e propaganda religiosa.
Primeiro livro impresso por Guttemberg, no século XV, e o mais vendido da história, a Bíblia reúne escritos fundamentais para as três grandes religiões monoteístas - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Na verdade, a Bíblia é uma biblioteca de 73 livros escritos em momentos históricos diferentes. O Velho Testamento, aceito como sagrado por judeus, cristãos e muçulmanos, é composto de 46 livros que pretendem resumir a história do povo hebreu desde o suposto chamamento de Abraão por Deus, que teria ocorrido por volta de 1850 a.C., até a conquista da Palestina pelos exércitos de Alexandre Magno e as revoltas do povo judeu contra o domínio grego, por volta de 300 a.C. Os 27 livros do Novo Testamento abarcam um período bem menor: cerca de 70 anos que vão do nascimento de Jesus à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C.
O coração do Velho Testamento são os primeiros cinco livros, que compõem a Torá do Judaísmo (a palavra significa "lei", em hebraico). Em grego, o conjunto desses livros recebeu o nome de Pentateuco ("cinco livros"). São considerados os textos "históricos" da Bíblia, porque pretendem contar o que ocorreu desde o início dos tempos, inclusive a criação do homem - que, segundo alguns teólogos, teria ocorrido em 5000 a.C. O Pentateuco inclui o Gênesis (o "livro das origens", que narra a criação do mundo e do homem até o dilúvio universal), o Êxodo (que narra a saída dos judeus do Egito sob a liderança de Moisés) e os Números (que contam a longa travessia dos judeus pelo deserto até a chegada a Canaã, a terra prometida).
Das três ciências que estudam a Bíblia, a arqueologia tem se mostrado a mais promissora. "Ela é a única que fornece dados novos", diz o arqueólogo israelense Israel Finkelstein, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv e autor do livro The Bible Unearthed (A Bíblia desenterrada, inédito no Brasil), publicado no ano passado. A obra causou um choque em estudiosos de arqueologia bíblica, porque reduz os relatos do Antigo Testamento a uma coleção de lendas inventadas a partir do século VII a.C.
O Gênesis, por exemplo, é visto como uma epopéia literária. O mesmo vale para as conquistas de David e as descrições do império de Salomão.
A ciência também analisa os textos do Novo Testamento, embora o campo de batalha aqui esteja muito mais na filologia. A arqueologia, nesse caso, serve mais para compor um cenário para os fatos do que para resolver contendas entre as várias teorias. O núcleo central do Novo Testamento são os quatro evangelhos. A palavra evangelho significa "boa nova" e a intenção desses textos é clara: propagandear o Cristianismo. Três deles (Mateus, Marcos e Lucas) são chamados sinóticos, o que pode ser traduzido como "com o mesmo ponto de vista". Eles contam a mesma história, o que seria uma prova de que os fatos realmente aconteceram. Não é tão simples. O problema central do Novo Testamento é que seus textos não foram escritos pelos evangelistas em pessoa, como muita gente supõe, mas por seus seguidores, entre os anos 60 e 70, décadas depois da morte de Jesus, quando as versões estavam contaminadas pela fé e por disputas religiosas.
Nessa época, os cristãos estavam sendo perseguidos e mortos pelos romanos, e alguns dos primeiros apóstolos, depois de se separarem para levar a "boa nova" ao resto do mundo, estavam velhos e doentes. Havia, portanto, o perigo de que a mensagem cristã caísse no esquecimento se não fosse colocada no papel. Marcos foi o primeiro a fazer isso, e seus textos serviram de base para os relatos de Mateus e Lucas, que aproveitaram para tirar do texto anterior algumas situações que lhes pareceram heresias. "Em Marcos, Jesus é uma figura estranha que precisa fazer rituais de magia para conseguir um milagre", afirma o historiador e arqueólogo André Chevitarese.
Para tentar enxergar o personagem histórico de Jesus através das camadas de traduções e das inúmeras deturpações aplicadas ao Novo Testamento, os pesquisadores voltaram-se para os textos que a Igreja repudiou nos primeiros séculos do Cristianismo. Ignorados, alguns desapareceram. Mas os fragmentos que nos chegaram tiveram menos intervenções da Igreja ao longo desses 2 000 anos. Parte desses evangelhos, chamados "apócrifos" (não se sabe ao certo quem os escreveu), fazem parte de uma biblioteca cristã do século IV descoberta em 1945 em cavernas do Egito. Os evangelhos estavam escritos em língua copta (povo do Egito).
O fato de esses textos terem sido comprovadamente escritos nos primeiros séculos da era cristã não quer dizer que eles sejam mais autênticos ou contenham mais verdades que os relatos que chegaram até nós como oficiais. Pelo contrário, até. Os coptas, que fundariam a Igreja cristã etíope, foram considerados hereges, porque não aceitavam a dupla natureza de Jesus (humana e divina). Para eles, Jesus era apenas divino e os textos apócrifos coptas defendem essa versão. Mesmo assim, eles trazem pistas para elucidar os fatos históricos.
A tentativa de entender o Jesus histórico buscando relacioná-lo a uma ou outra corrente religiosa judaica também foi infrutífera, como ficou demonstrado no final da tradução dos pergaminhos do Mar Morto, anunciada recentemente. Esses papéis, achados por acaso em cavernas próximas do Mar Morto, em 1947, criaram a expectativa de que pudesse haver uma ligação entre Jesus e os essênios, uma corrente religiosa asceta, cujos adeptos viviam isolados em comunidades purificando-se à espera do messias. O fim das traduções indica que não há qualquer ligação direta entre Jesus e os essênios, a não ser a revolta comum contra a dominação romana.
O resultado é que, depois de dois milênios, parece impossível separar o verdadeiro do falso no Novo Testamento. O pesquisador Paul Johnson, autor de A História do Cristianismo, afirma que, se extrairmos, de tudo o que já se escreveu sobre Jesus, só o que tem coerência histórica e é consenso, restará um acontecimento quase desprovido de significado. "Esse 'Jesus residual' contava histórias, emitiu uma série de ditos sábios, foi executado em circunstâncias pouco claras e passou a ser, depois, celebrado em cerimônia por seus seguidores."
O que sabemos com certeza é que Jesus foi um judeu sectário, um agitador político que ameaçava levantar os dois milhões de judeus da Palestina contra o exército de ocupação romano. Tudo o mais que se diz dele precisa da fé para ser tomado como verdade. Assim como aconteceu com Moisés, David e Salomão do Velho Testamento, a figura de Jesus sumiu na névoa religiosa.
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